Tales Agra
Psicanalista em Brasília

Philippe Julien, “Psicose, Perversão, Neurose”


Caros leitores,

 

Eis um trecho do livro de Philippe Julien, “Psicose, Perversão, Neurose”, em que ele esclarece de uma maneira fantástica a forma como Lacan teoriza o que é o significante Nome-do-Pai, no contexto da reflexão sobre a estrutura psicótica.

O autor vem discutindo o caráter do estado pré-psicótico e chega na discussão do que pode desencadear a loucura:

 

“Qual é, pois, esse significante fundamental no simbólico, ao qual um interlocutor faz apelo mas que no sujeito não responde? Lacan vai nomeá-lo com diversos nomes, para afinal e em definitivo nomeá-lo com seu nome de Nome-do-Pai. Apresentou-o com a ajuda de uma metáfora de estrada: há duas maneiras de ir de carro de Mantes a Rouen: a estrada nacional 15 ou as estradas dos departamentos. Ora, essas estradas não têm a mesma função. A nacional, como um rio (Sena), é uma via de passagem a partir da qual, em certos nós, instalaram-se cidades (Mantes, Rouen). As estradas dos departamentos, ao contrário, abrem um caminho que vem ligar entre si aldeias que a ele preexistiam. Assim, como a grande-estrada em relação às cidades, o significante é primeiro “uma vez que ele polariza, agarra, grupa em feixes significações” (Seminário III, pg. 328). Mas, se o significante faltar, então é preciso a ele suplementar adicionando significações, uma após a outra, como aldeias, e com o risco de enganar-se na adição… e na leitura dos avisos da estrada e dos painéis indicadores.

Essa metáfora nos esclarece sobre outra metáfora, a do significante do Nome-do-Pai. Com efeito, esse significante não é transmitido ao sujeito nem por um homem que se declara pai, nem pela sociedade política ou religiosa, mas pelo desejo da mãe, enquanto mulher. Ela dá resposta à interrogação do filho ou da filha diante da imagem materna.

Essa imagem tão pregnante, que subjuga e fascina o olhar da criança, por que desejo é animada? Ela vem, ela vai: qual é a razão dessa alternância de presença e ausência? Acaso, capricho, arbitrário, a mãe os dissipa respondendo; e ela pode fazê-lo uma vez que ela não é toda-mãe, mas mulher. Ela instaura esta metáfora: ao significante de seu desejo, que permanece enigmático para a criança porque sem significação, ela substitui um outro significante, o do pai, o significante da paternidade. E dessa metáfora nasce uma significação: o falo, isto é, aquilo que falta à mãe e é a razão de seu desejo de mulher.

Assim, à angústia do sujeito diante do enigma do desejo da mãe (mas o que ela quer então?), a própria mãe responde transmitindo o significante de sua falta. É esta condição prévia do Édipo freudiano. Lacan não cessará de repeti-lo, tanto que mais tarde, em 1971, poderá dizer:

 

“É enquanto significante, significante capaz de dar um sentido ao desejo da mãe, que a justo título eu podia situar o Nome-do-Pai. (Seminário de 16 de junho de 1971: De um discurso que não seria semblante)

 

E, então, após essa transmissão primordial, diversas significações da paternidade podem se seguir para o sujeito conforme a singularidade de sua história e de sua cultura; o desaparecimento ou a mudança delas não é uma catástrofe.

Se, ao contrário, o Nome-do-Pai estiver foracluído, será preciso adicionar incessantemente significações como resposta ao ser-pai, com o risco de que um dia a adição não baste. Por exemplo, o pai será definido como genitor, ou aquele que cuida da criança, ou aquele que transmite o patronímico (não confundir com o Nome-do-Pai), ou aquele que a criança reconhece e adota como pai, e ainda… e ainda…: é sem fim! A psicossociologia aí se esgota, porque nenhuma significação é decisiva, a não ser que ela seja agarrada, polarizada pelo significante do Nome-do-Pai.” (pg. 53-54)

 

É muito importante prestar atenção nos grifos do autor, que estão em itálico, para ter uma compreensão minuciosa da maneira como se dá este processo da entrada no Édipo.

Tales Agra

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